segunda-feira, 29 de abril de 2019

Famílias precisam de orientação antes de comprar um aplicativo de comunicação


Recebi o texto abaixo do site de divulgação de notíicias e pesquisas sobre autismo SPECTRUM. Ahhhh, me despertou tantas reflexões! Resolvi traduzir e postar aqui para favorecer a reflexão de outras pessoas também. Nos outros posts, vou aproveitar para compartilhar minha opinião (e vivência) sobre os temas que estão aqui retratados. ;-)

ESCRITO POR CATHY BINGER  /  23 ABRIL 2019 


Muitas crianças com autismo têm pouca ou nenhuma fala, e suas famílias muitas vezes estão desesperadas para ajudá-las a se comunicar.

Na conectada dos dias de hoje, essas famílias provavelmente vão ouvir sobre uma variedade de aplicativos de comunicação - alguns especificamente voltados para crianças com autismo - disponíveis para dispositivos móveis, incluindo iPads. Em geral, o anúncio inclui um vídeo de uma criança que começa a se comunicar usando a saída de voz [vocalizador] do aplicativo e, sem esforço, pedindo um copo de suco ou dizendo, pela primeira vez, "eu te amo".

Que família, tendo condições de pagar, não compraria esse aplicativo?

O que não aparece nesses anúncios, no entanto, é o que acontece depois da compra. Embora a criança possa inicialmente se sentir atraída pelo aplicativo, a novidade geralmente se esvai antes que haja melhorias na comunicação. As famílias, sentindo-se decepcionadas e frustradas, recorrem frequentemente aos profissionais na escola ou na clínica para conseguir ajuda.

Se tiverem sorte, alguém encaminhará a família para um especialista em Comunicação Aumentativa e Alternativa, ou CAA. Os especialistas, geralmente fonoaudiólogos nos Estados Unidos, trabalham em escolas, contextos clínicos e consultórios particulares. Eles sabem como formas de comunicação não-verbais, como símbolos de figuras (imagens que representam palavras ou frases) e dispositivos de alta tecnologia com vocalizadores, podem ajudar algumas crianças a se comunicar.

Quando as famílias buscam a ajuda de especialistas de CAA para ajudar a “fazer este aplicativo funcionar”, os especialistas recomendam a mesma coisa: uma avaliação completa para determinar as melhores soluções de CAA para a criança - que pode não incluir o aplicativo caro família acabou de comprar.

Como especialista em CAA, vi esse cenário se repetir muitas vezes nos últimos 10 anos, desde que o primeiro aplicativo de comunicação robusta estreou há cerca de uma década. Embora esses tipos de programas de comunicação estejam disponíveis em dispositivos especializados caros há várias décadas, só recentemente o software se tornou disponível para dispositivos móveis - e a um custo menor, tornando os aplicativos mais acessíveis para as famílias que buscam soluções.

Embora os anúncios façam parecer que a comunicação usando a tecnologia é algo novo, os profissionais de CAA avaliam formalmente essas soluções há mais de três décadas. Uma vez concluída a avaliação, fazem recomendações fundamentadas no perfil individual da criança e nas necessidades da família.

O foco recente em aplicativos de CAA inverteu esse processo. As famílias geralmente compram o dispositivo e o aplicativo primeiro e só procuram ajuda profissional depois. Considerando os variados perfis de pessoas com autismo, as complexidades da comunicação e a singularidade das necessidades de cada família, não é de admirar que essa abordagem raramente funcione.

Profissionais da área da saúde e educação precisam estar cientes de que os pais estão sendo atraídos pela promessa de sucesso rápido. Eles devem antecipar isso, ajudar as famílias a entender que não há uma solução única para todos os casos e encaminhar as famílias para avaliações completas de CAA. Eles também devem aprender que nenhuma tecnologia, por melhor que seja a criança, consertará a comunicação sem ensino e personalização.

Acesso à inovação

Novas tecnologias trouxeram uma riqueza de benefícios para pessoas com autismo. As tecnologias móveis são mais acessíveis do que os dispositivos CAA altamente especializados, que podem custar mais de US$ 7.000 [aproximadamente, R$28.000,00] em comparação com US$ 300 a US$ 800 [R$1.200 a R$3.200] para um dispositivo móvel e um aplicativo.

Uma gama completa de opções de aplicativos sofisticados está disponível para dispositivos móveis e CAA, e as tecnologias móveis estão ajudando a naturalizar o uso da CAA, já que tablets e smartphones estão agora no centro das interações cotidianas. Em vez de usar um dispositivo incomum na sala de aula, essas crianças com autismo chegam a ser as crianças "legais" que usam iPads em sala de aula.

É importante ressaltar que a CAA também inclui soluções de baixa tecnologia, como pranchas de comunicação impressas em papel contendo letras, palavras escritas ou símbolos de figuras. E as pessoas também podem se comunicar usando CAA não assistida - isto é, usando o próprio corpo, usando gestos e língua de sinais.

Mesmo em nosso mundo de alta tecnologia, recursos de baixa tecnologia e sem tecnologia continuam sendo importantes. Por exemplo, algumas famílias podem relutar em levar um dispositivo caro para casa porque ele pode ser roubado ou não ser carregado devido à falta de eletricidade. Além disso, quando se trata de tecnologia, ocorrem falhas - portanto, todos precisam de um plano reserva. Os profissionais de CAA podem ajudar a garantir que as soluções em comunicação estejam à disposição quando um tablet não estiver disponível.

Aprendizagem e ensino

Os aplicativos de comunicação atuais raramente são intuitivos 1 . Quando crianças e adultos não são ensinados a usá-los, as tecnologias CAA acumulam poeira em uma prateleira 2 . Para promover uma comunicação bem-sucedida, é essencial o ensino de alta qualidade para a pessoa que usa o aplicativo e para seus parceiros de comunicação - membros da família, educadores, colegas.

A pessoa que usa CAA precisa aprender não apenas como operar a tecnologia, mas também os fundamentos da comunicação: com quem falar, quando falar, quais palavras usar e como formar  sentenças e criar histórias 3 . As crianças que usam CAA com sucesso normalmente recebem com regularidade instrução em CAA de um fonoaudiólogo que trabalhe na escola e, também, quando possível, através de serviços adicionais de um fonoaudiólogo particular.

E todos os outros também precisam aprender a se comunicar com as crianças que usam CAA. Mesmo intervenções simples que ensinam adultos e colegas sobre como fornecer tempo extra para comunicação e como modelar a comunicação usando o dispositivo podem ter impactos positivos e imensos na comunicação 4 . Essas ações práticas ajudam os parceiros de comunicação a identificar contextos para usar CAA, criar oportunidades para usá-la e praticar no uso de aplicativos e outras soluções em atividades cotidianas específicas, desde a leitura de uma história até a escolha do que vestir.

Abordagem personalizada

A necessidade de personalização afeta todos os aspectos da comunicação: tecnologia, ensino e contextos de comunicação.

As crianças com autismo raramente vêem melhorias se a tecnologia - o dispositivo móvel e o aplicativo - não tiver sido personalizada. Com base em suas necessidades, crianças autistas se beneficiam de diferentes aplicativos com recursos diferentes. Uma avaliação de CAA pode determinar as necessidades específicas de uma criança, como o tamanho e o número de símbolos que a criança pode gerenciar e o quão complexo o sistema deve ser.

Por exemplo, um estudante do ensino médio com autismo que tenha um alto quociente de inteligência pode exigir uma abordagem de ensino diferente e menos apoio do que um na pré-escola com a condição. Famílias de diferentes origens culturais, étnicas e linguísticas também podem ter diferentes sistemas de valores e expectativas para seus filhos. O ensino personalizado ajuda a garantir que as necessidades de cada família sejam atendidas 5 .

Para melhores resultados, também precisamos personalizar os contextos de comunicação. Por exemplo, quais atividades são divertidas, motivadoras e adequadas à idade da criança, e que necessidades de comunicação as crianças têm em várias situações? A criança precisa ser capaz de ir ao mercado sem ter uma crise, conversar com os colegas sobre música popular ou conversar com a família durante o jantar de domingo? Os especialistas em CAA podem ajudar famílias e crianças a identificar contextos importantes para comunicação e encontrar soluções eficazes.

As famílias, sem dúvida, continuarão a ouvir promessas convincentes de soluções rápidas. Educadores e profissionais de saúde devem fazer todo o possível para conectar as famílias aos especialistas de CAA e garantir uma avaliação antes de investir em um aplicativo específico. Mesmo depois de identificar o aplicativo certo, ensino regular e atenção personalizada a todos os aspectos da comunicação ainda são necessárias para ajudar as crianças a atingirem todo o seu potencial.

Cathy Binger é professora associada em Terapia da Fala e Linguagem na Universidade do Novo México.

REFERÊNCIAS:
1.      McNaughton D. and J. Light Augment. Altern. Commun. 29, 107-116 (2013) PubMed
2.      Johnson J.M. et al. Augment. Altern. Commun22, 85-99 (2006) PubMed
3.      Beukelman D. and P. Mirenda (2013) Augmentative and alternative communication: Supporting children and adults with complex communication needs. Baltimore, MD: Brookes Publishing.
4.      Binger C. et al. Am. J. Speech Lang. Pathol19, 108-120 (2010) PubMed
5.      Binger C. et al. Augment Altern. Commun24, 323-338 (2008) PubMed

sexta-feira, 19 de abril de 2019

Como iniciar com a Comunicação Alternativa?

Durante a live no Lagarta Vira Pupa foi possível conversar sobre alguns aspectos relativos à Comunicação Alternativa. No entanto, porque o tempo é limitado, não dá para aprofundar tanto na resposta. Então, resolvi trazer algumas questões para cá e explorar um pouquinho mais que consegui na live e favorecer a continuidade das discussão de algum modo. Lá vai uma pergunta!



Vou começar a responder pontuando a nossa meta principal ao introduzir sistemas de CAA: Comunicação! E quando a isso, vale ressaltar que nos comunicamos de várias formas: através do olhar, através de gestos e através do uso de símbolos, sendo que a fala e a escrita são os principais meios simbólicos que existem.

Quando alguém, por algum motivos, não está conseguindo usar a fala de um modo compreensível a outros com quem se relaciona e também quando não sabe ou consegue escrever, podemos pensar em formas alternativas de comunicação. A área da Comunicação Aumentativa e Alternativa (CAA) está especificamente comprometida com esse caminho!

Vamos considerar as possibilidades de usar imagens para nos auxiliar nesse processo de mediação da comunicação e então, vem a preocupação da Rosemary na pergunta acima: Começo com fotos? Que atividades ou situações de comunicação estabeleço como alvo ao iniciar? Vou me deter nessas duas questões nesse post.

1. Começo com fotos?


A utilização de fotos ou pictogramas é uma dúvida recorrente. Isso porque se fala de uma hierarquia de aprendizagem de símbolos.


No entanto, não significa que ao introduzir a CAA preciso fazer essa caminhada gradual como regra. Mais importante é observar a criança e suas habilidades e buscar um meio simbólico que, de fato, favoreça a comunicação.

Na minha prática, com o objetivo de estimular a comunicação, destaco que podemos e devemos usar todos as possibilidades disponíveis, tanto para fazer a criança compreender, quanto para auxiliar que ela se expresse. Vou dar alguns exemplos:

Abro a geladeira, tem aguá e suco, posso pegar cada um alternadamente e estimular a criança a fazer uma escolha:

       - Você quer água (trago a jarra ou garrafa com água) ou suco (trago a jarra ou garrafa com suco)?

A criança pode usar formas diferentes de responder: talvez ela só olhe, talvez ela toque ou tente pegar, talvez ela aponte, talvez ela emita algum som acompanhado de outra ação. Nessa situação, estou usando objetos reais.

Se, no entanto, estou tentando incrementar o uso de imagens para mediar a comunicação na ausência dos objetos concretos, eu posso ter na porta da geladeira uma foto ou pictograma para representar a água ou suco. Para suco e água, eu prefiro usar pictogramas - aliás, para tudo o que é muito recorrente e muito semelhante ao que poderia representar, sempre uso pictogramas. Os pictogramas de objetos concretos são mais fáceis de encontrar, generalizar e facilitam a construção de materiais, Mesmo quando a criança não reconhece de cara, é mais fácil ajudar a convencionar um sentido para a imagem/símbolo. Para ajudar nisso é que sempre utilizo texto para acompanhar as imagens, quer fotos ou pictogramas.

Autor pictogramas: Sergio Palao Procedência: ARASAAC (http://www.arasaac.org) Licença: CC (BY-NC-SA)

Eu também utilizo fotos em algumas situações e considero alguns aspectos, por exemplo:

- A foto ajuda na representação de itens muito específicos e pessoais como as pessoas da vida, pão de queijo, farofa, típicos da realidade e cultura no Brasil... Acaba sendo mais prático usar uma foto. No entanto, sempre presto atenção na qualidade da foto e evito fotos muito poluídas e com elementos confundidores próximos;

- As fotos possuem um nível de especificidade e detalhamento maior, então, se vou usar uma foto para fazer cartões de comunicação de 3x3 ou 5x5 cm, ela perdem muito em nitidez. Por isso, se tenho que usar fotos, priorizo formatos maiores com 9x13 e 10x15. E, é claro, utilizo texto junto para saber exatamente o que a foto representa; e

- Muitas crianças, em especial, conforme a idade, podem ter dificuldades quanto à discriminação figura e fundo ou dificuldades em foco atencional. Quando é o caso, ocasionalmente considero a utilização de fotos da própria criança e em tamanhos maiores, por exemplo, para organizar sua rotina. Assim, implemento um recurso de apoio à comunicação e também favoreço o desenvolvimento de foco atencional que também trará benefícios em outros momentos e outras situações.

Vamos à segunda questão.

2. Com quais atividades ou situações de comunicação começo?


Começo com o que motiva a comunicar e gera interesse! Então, preciso me observar e perguntar: o que a criança gosta de comer, beber e fazer em seu tempo livre. O que desperta seu interesse e atenção?

Para crianças muito pequenas, aquilo que ela gosta de comer e beber e os brinquedos e atividades de lazer constituem as portas de entrada para muitas interações e oportunidades de comunicação. Para qualquer pessoa, é importante coletar informações sobre comidas, bebidas, brinquedos, brincadeiras, objetos, atividades recreativas, lugares, pessoas da vida e rotina da semana (inclusive fim de semana).

Com essas informações,

- Organizar a rotina visual do dia ou da semana. Com crianças bem pequenas, inicio com o dia e com o avanço da compreensão do sistema visual, amplio para toda a semana;

- Providenciar símbolos de todo vocabulário útil e motivador - às vezes, já começo com alta tecnologia com um aplicativo em tablet ou, então, é providencio cartões de comunicação e disponho em algum tipo de suporte: um chaveiro, uma pasta, prancha ou livro de comunicação, por exemplo.

Além de explorar os interesses e motivações para favorecer a comunicação e promover a interação a partir da rotina, considero muito útil implementar apoios visuais para atividades de vida diária. Esses recursos podem ajudar muito no desenvolvimento da autonomia. Uso muito e sempre recomento os desenhos roteirizados do site Autismo Projeto Integrar. Para conferir o material disponível (lavar as mãos, tomar banho, escovar os dentes, entre outros), acesse aqui.


Espero que essas informações iniciais sejam úteis.

E, você que já tem experiência com a implementação da CAA, como iniciou? Compartilha sua experiência nos comentários. ;-)

quarta-feira, 17 de abril de 2019

Lagarta vira Papo sobre Comunicação Alternativa 2

E para tirar a poeira desse espaço em alto estilo...

Voltei à pagina Lagarta vira Pupa com a Andrea Werner para falar sobre Comunicação Alternativa mais uma vez!



A live está disponível na página do Lagarta vira Pupa no Facebook. Segue o link para acessar ;-)

Quem quiser conferir nosso primeiro bate papo, que aconteceu 2016 - o tempo voa! - pode acessar aqui.