quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Dúvida comum: devo colocar a palavra escrita na figura, foto ou pictograma ou não???

Às vezes, me perguntam se é importante ou não colocar a palavra por escrito em uma figura, uma foto ou um pictograma de um cartão de comunicação do usuário de CAA. 

Escrever a palavra em um cartão de comunicação é essencial pois quando a ela não está presente, as pessoas que não são do convívio imediato da criança podem ficar em dúvida sobre como exatamente nomear aquela figura ou qual é o seu significado exato.  Veja, por exemplo, os cartões na pasta de comunicação abaixo:

Pasta de Comunicação (Uso autorizado)
Quando vi essa pasta pela primeira vez, fiquei pensando: "o que são aqueles martelinhos amarelo e verde?"  E a foto com a criança sentada no chão, aparentemente, brincando com areia? Qual é  significado exato desse cartão de comunicação? Com exceção do cartão que tem a foto de um frasco de bolha de sabão - objeto muito familiar para mim! - não saberia bem o que fazer ou como responder a uma criança que o entregasse a mim.

Para que a comunicação seja efetiva é necessário que todos utilizem um cartão com o mesmo sentido em todos os lugares. Não é suficiente que apenas você e sua criança saibam o que ele significa. Quando o/a profissional, pai, tio, vó, professora, coleguinha olham para um cartão, precisam saber automaticamente o que ele significa, representa ou nomeia. Isso só é possível quando colocamos um "rótulo" nessa imagem - esse rótulo pode ser uma palavra ou até uma frase inteira.

Ampliar a efetividade da comunicação entre pessoas é a grande meta de qualquer sistema de Comunicação Alternativa. Isso só é possível quando todos os interlocutores compartilham os mesmos sentidos.

Linguagem é convenção. Por que chamamos cadeira de cadeira e mesa de mesa? Convencionou-se chamar cadeira de cadeira e mesa de mesa. Para que a comunicação flua, é importante que os sentidos sejam compartilhados entre todos os parceiros de comunicação. Sem isso a troca entre as pessoas "falha", não acontece ou é restrita.

Por isso tudo, SIM, todo cartão de comunicação ou figuras em uma prancha de comunicação deveriam trazer também a palavra que representam.

P.S.: Uma amiga me salvou com a informação de que os tais "martelinhos" são, na verdade, mordedores. Ok. Eureka!!! 

sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Carly e CAA

Minhas inquietações no interseção do autismo e tecnologia tiveram início quando tomei conhecimento do caso de Carly Fleischmann, jovem canadense autista. Diagnosticada com autismo severo e retardo mental moderado, demonstrou que todos ao seu redor estavam enganados sobre sua capacidade intelectual e sobre a pessoa que realmente era. Essa jornada começou quando começou a digitar em seu computador. Um pouco de sua história está disponível no YouTube.

Transcrevo abaixo um trecho do capítulo escrito por ela no livro publicado em autoria com seu pai e que conta sua história.

Fonte: http://carlysvoice.com/

"A comunicação foi uma vitória para mim e para todos que me rodeavam. Barb, minha fonoaudióloga, trabalhou com mil métodos diferentes para que eu conseguisse me comunicar. Me lembro de ter a boca cheia de pirulitos e de aprender a utilizar as mãos e os dedos para me expressar por meio de sinais. Era muito complicado, e em algumas ocasiões, para dizer a verdade, frustrante. Apenas posso recordar a primeira vez que começamos com os símbolos gráficos.

"Maravilha, mostro uma foto de batatas fritas e alguém me dá as batatas”, pensava. Aquilo foi extraordinário para mim. Era a primeira vez que me comunicava, pedia algo e conseguia. Havia compreendido a parte mais difícil mas com a quantidade de coisas que acontecia ao meu redor, como poderia repetir? Demorei um pouco a descobrir. No começo me custava conter o impulso de mostrar outros símbolos que não representavam o que eu precisava naquele momento. Por exemplo, queria dizer que necessitava ir ao banheiro mas a foto de batata frita era muito atrativa para que eu pudesse ignorá-la.  [...] 

É estranho, mas a primeira vez que digitei ninguém me perguntou o que estava passando em meu cérebro...  o dia em que digitei pela primeira vez me sentia muito mal. Quando Howie me empurrou com suavidade para que eu sentasse mais perto de Barb, me doía o corpo todo. Me lembro de ter pensado que a tia dele é que usaria aquele equipamento! pois eu não tinha o menor interesse em fazê-lo. Porque continuavam insistindo? Sabia que Howie não me deixaria em paz até que eu dissesse algo. Só queria que soubessem que aquele não era nem o momento nem o lugar adequado, e então vi a palavra “ajuda” em minha cabeça, uma das que sempre havia estado na página principal dos meus dispositivos de CAA desde o princípio.

Comecei a digitar: “A-J-U-D-A”, e saí para me jogar no sofá. Howie me obrigou a voltar. Creio que estavam perplexos, e eu, bom, ainda não havia processado aquela vitória.  [...]
Comecei a escrever nas redes sociais e no meu blog. Experimentava a necessidade de enfrentar novos objetivos e me propus a aparecer no programa Larry King Live e inclusive aceitei o convite de um simpósio que ocorreria na SCUN em San Diego: Conferência Internacional de Tecnologia e Deficiência. Tudo isso me permitiria seguir acreditando que era capaz de fazer o que me havia proposto. Curioso, não? Tinham me dito que nunca falaria e aqui está minha voz, falando para você. 

O desafio mais recente é a minha ida para um colégio convencional [...] Fiz muitos amigos durante este curso na escola e pude organizar minha primeira festa, de verdade, em casa. Inclusive, fui ao cinema com um grupo de amigos e não necessitei de nenhum assistente. [...]


Um homem sábio me disse uma vez que uma semente necessita de amor e nutrientes para transformar-se em flor e que uma lagarta necessita de tempo e tenacidade para se transformar em uma linda borboleta. Esta é a razão porque digo que todos temos uma voz interior que espera manifestar-se, e conseguir ou não, depende única e exclusivamente de nós. 
Emocionante, não? ;-) Para quem lê em inglês, recomendo a leitura. Parece que o livro também foi publicado em espanhol, mas não encontrei na Internet a referência.